Waldir Calmon

Poema Vou-me Embora Pro Passado

 
Clicando no player logo acima, você ouvirá um poema de Jessier Quirino que cita Waldir Calmon. Jessier Quirino é paraibano de Campina Grande, arquiteto por profissão, poeta por vocação e vive atualmente em Itabaiana. É o autor dos livros Paisagem de Interior, A Miudinha, O Chapéu Mau e O Lobinho Vermelho, Prosa Morena - acompanha um CD com gravações de alguns poemas, Política de Pé de Muro e A Folha de Boldo - Notícias de Cachaceiros, além de cordéis, causos, músicas e outros escritos. O poema abaixo consta do livro Prosa Morena, Editora Bagaço - Recife, 2001.

 

Vou-me embora pro passado
Lá sou amigo do rei
Lá tem coisas "daqui, ó!"
Roy Rogers, Buc Jones
Rock Lane, Doris Day
Vou-me embora pro passado


Vou-me embora pro passado
Porque lá é outro astral
Lá tem carros Vemaguet
Jeep Willes, Maverick
Tem Gordine, tem Buick
Tem Candango e tem Rural
Lá dançarei Twist
Hully-Gully
, Iê-iê-iê
Lá é uma brasa mora!
Só você vendo pra crer
Assistirei Rim Tim Tim
Ou mesmo Jeannie é um Gênio
Vestirei calças de Nycron
Faroeste ou Durabem
Tecidos sanforizados
Tergal, Percal e Banlon
Verei lances de anágua
Combinação, califon
Escutarei Al Di Lá

Dominiqui Niqui Niqui
Me fartarei de Grapette
Na farra dos piqueniques
Vou-me embora pro passado

No passado tem Jerônimo
Aquele Herói do Sertão
Tem Coronel Ludugero
Com Otrope em discussão
Tem passeio de Lambreta
De Vespa, de Berlineta
Marinete e Lotação
Quando toca Pata Pata
Cantam a versão musical
"Tá Com a Pulga na Cueca"
E dançam a música sapeca
Ô Papa Hum Mau Mau
Tem a turma prafrentex
Cantando Banho de Lua
Tem bundeira e piniqueira
Dando sopa pela rua
Vou-me embora pro passado


Vou-me embora pro passado
Que o passado é bom demais!
Lá tem meninas "quebrando"
Ao cruzar com um rapaz
Elas cheiram a Pó de Arroz
Da Cachemere Bouquet
Coty ou Royal Briar
Colocam Rouge e Laquê
English Lavanda Atkinsons
Ou Helena Rubinstein
Saem de saia plissada
Ou de vestido Tubinho
Com jeitinho encabulado
Flertando bem de fininho
E lá no cinema Rex
Se vê broto a namorar
De mão dada com o guri
Com vestido de organdi
Com gola de tafetá

Os homens lá do passado
Só andam tudo tinindo

De linho Diagonal

 

Camisas Lunfor, a tal
Sapato Clark de cromo ou Passo-doble esportivo
Ou Fox do bico fino

De camisas Volta ao Mundo
Caneta Shafers no bolso
Ou Parker 51
Só cheirando a Áqua Velva
A sabonete Gessy
Ou Lifebouy, Eucalol
E junto com o espelinho

Um pente Pantera ou Flamengo

E uma trufinha no quengo

Cintilante como o sol

 

Vou-me embora pro passado
Lá tem tudoo que há de bom
Os mais velhos ainda usam

Sapatos brancos e marrom
E chapéu aba larga
Ramenzone ou Cury Luxo

Ouvindo o Besame Mucho

Solfejando a meio-tom

No passado é outra história!
Outra civilizaçãoTem Alvarenga e Ranchinho
Tem Jararaca e Ratinho aprontando a gozação
Tem assustado à Vermuth
Ao som de Waldir Calmon
Tem long-play da Mocambo
Mas Rosemblit é o bom
tem Albertinho Limonta
Tem também mamãe Dolores
Marcelinho pão e vinho
Tem Bat Masterson, tem Lassie
Túnel do Tempo, tem Zorro
Não se vê tantos horrores
Lá no passado tem corso
Lança perfume Rodouro
Geladeira Kelvinator
Tem rádio com olho mágico
ABC a voz de ouro
Se ouve Carlos Galhardo em Audições Musicais
Piano ao Cair da Tarde
Cancioneiro de sucesso
Tem também Repórter Esso com notícias atuais
Tem petisqueiro e bufê junto à mesa de jantar
Tem biscouit e bibelô
Tem louça de toda cor
Bule de ágata, alguidar
Se brinca cabra-cega
De drama, de garrafão
Camoniboi, balinheira
De rolimã na ladeira
De rasteira e de pinhão
Lá também tem radiola de madeira e baquelita
Lá se faz caligrafia pra modelar a escrita
Se estuda a tabuada de Teobaldo Miranda
Ou na cartilha do povo
Lendo "vovô viu o ovo"
E a palmatória é quem manda
Tem na revista O Cruzeiro a beleza feminina
 

 

Tem misses botando banca

Com seu maiô de helanca
O famoso Catalina
Tem cigarros Yolanda
Continental e Astória
Tem o Conga Sete Vidas
Tem brilhantina Glostora
Escovas Tek, Frisante

Relógio Eterna Matic com 24 rubis
Pontual a toda hora
Se ouve página sonora
Na voz de Ângela Maria
"— Será que sou feia?
— Não é não senhor!
— Então eu sou linda?
— Você é um amor!..."
Quando não querem a paquera
Mulheres falam: "Passando,
Que é pra não enganchar!"
"Achou ruim dê um jeitim!"
"Pise na flor e amasse!"
E AI e POFE! e quizila
Mas o homem não cochila
Passa o pano com o olhar
Se ela toma Postafen
Que é pra bunda aumentar
Ele empina o polegar
Faz sinal de "tudo X"
E vai dizendo "Ô Maré!
Todo boy, mancando o pé
Insistindo em conquistar
No passado tem remédio
Pra quando se precisar
Lá tem Doutor de família
Que tem prazer de curar
Lá tem Água Rubinat
Mel Poejo e Asmapan
Bromil e Capivarol
Arnica, Phimatosan
Regulador Xavier
Tem Saúde da Mulher
Tem Aguardente Alemã
Tem também Capiloton
Pentid e Terebentina
Xarope de Limão Brabo
Pílulas de Vida do Dr. Ross
Tem também aqui pra nós
Uma tal Robusterina
A saúde feminina

Vou-me embora pro passado
Pra não viver sufocado
Pra não morrer poluído
Pra não morar enjaulado
Lá não se vê violência
Nem droga nem tanto mau
Não se vê tanto barulho
Nem asfalto nem entulho
No passado é outro astral
Se eu tiver qualquer saudade
Escreverei pro presente
E quando eu estiver cansado
Da jornada, do batente
Terei uma cama Patente
Daquelas do selo azul
Num quarto calmo e seguro
Onde lá descansarei
Lá sou amigo do rei
Lá tem muito mais futuro
Vou-me embora pro passado


N.A. Poema inspirado na leitura do livro
Memorial de Marco Polo Guimarães, Edições Bagaço; em conversa antiga; e em outros poemas meus)